quinta-feira, 19 de julho de 2012

Lágrimas de mulher


A comunicação entre os seres humanos realiza-se de modos muito variados, mas a comunicação entre os seres das outras espécies, tais como os insectos, faz-se especialmente por meios químicos, em que a molécula transporta a mensagem.


Esses seres produzem e emitem substâncias para atrair indivíduos do sexo oposto, para estabelecer caminhos, para marcar territórios, para identificar amigos e inimigos, para produzir sinais de alarme e aglomerar indivíduos da mesma espécie em acções de hibernação e migração. Estes compostos designam-se por semioquímicos e podem ser utilizados na comunicação entre seres da mesma espécie (as feromonas) ou de espécies diferentes (os aleloquímicos).

* Professor Emérito da Universidade do Porto. Conselheiro do «Ciência Hoje» para Ano Internacional da Química
Todos observámos com curiosidade os carreiros de formigas, os enxames de abelhas, os diferentes tipos de funções dos habitantes da colmeia, a atracção dos insectos pelo pólen, a marcação de território que os cães fazem com a sua urina e outros fenómenos curiosos na Natureza.

Os semioquímicos são substâncias voláteis de intensa actividade fisiológica, bastando quantidades minúsculas da substância (10-19 a 10-20 g/cm3) para que o receptor se aperceba da sua existência e compreenda a mensagem. Estas concentrações equivalem a um número relativamente pequeno de moléculas (algumas centenas por cm3).

A descoberta deste tipo de compostos só foi possível a partir de meados do século XX devido à utilização de métodos físico-químicos de análise, como a cromatografia de fase gasosa, a espectrometria de massa, a espectroscopia de infravermelho e a ressonância magnética nuclear, que permitem identificar compostos a partir de poucos miligramas de substância.

A primeira feromona foi identificada em 1959 a partir do bicho-da-seda fêmea e tratava-se do hidrocarboneto insaturado hexadeca-(E,Z)-10,12-dien-1-ol
A primeira feromona foi identificada em 1959 a partir do bicho-da-seda fêmea e tratava-se do hidrocarboneto insaturado hexadeca-(E,Z)-10,12-dien-1-ol
A primeira feromona foi identificada em 1959 a partir do bicho-da-seda fêmea e tratava-se do hidrocarboneto insaturado hexadeca-(E,Z)-10,12-dien-1-ol (A), aliado ao correspondente aldeído hexadeca-(E,Z)-10,12-dienal (B). Para identificar esta feromona de atracção sexual foram necessários muitos milhares de fêmeas do bichos-da-seda.

Noutro caso, para isolar 20 mg da feromona de atracção sexual gipluro [acetato de (Z)-1-hexil-10-hidroxidec-3-enilo (C)] a partir dos dois últimos anéis do abdómen da Lymantria dispar, uma espécie de traça, foram necessárias cerca de meio milhão de fêmeas deste animal.

Embora a comunicação química esteja mais estudada entre os insectos e animais inferiores, ocorre também entre animais vertebrados; a atracção dos tubarões pelo cheiro a sangue, as migrações de salmões e lampreias no seu regresso ao local de nascença, um certo tipo de crocodilo emite substâncias de forte odor para atrair as fêmeas, e muitos mamíferos possuem glândulas emissoras de variados odores com acção sobre indivíduos da mesma espécie.

O cheiro de algumas substâncias existentes no suor humano provoca vários efeitos emocionais nas pessoas. Tal como o aroma de certos alimentos tem efeitos fisiológicos associados ao apetite, existem no comércio variadas substâncias alegadamente promotoras de atracção sexual.

«Lágrima de preta» é um dos mais conhecidos poemas de António Gedeão
«Lágrima de preta» é um dos mais conhecidos poemas de António Gedeão
Foi recentemente comunicada a descoberta do efeito das lágrimas de mulher no apetite sexual do homem. No poema «Lágrima de Preta», António Gedeão resumia as lágrimas a água com algum cloreto de sódio [Mandei vir os ácidos, / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais. / Ensaiei a frio, / experimentei ao lume,/ de todas as vezes / deu-me o que é costume: / nem sinais de negro, / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio.] mas a verdade é que as lágrimas contêm proteínas, enzimas, lípidos, electrólitos e outros compostos em menores quantidades.

Nem todas as lágrimas são iguais; a sua composição varia com as condições em que se produzem. As lágrimas de protecção ocular são diferentes das lágrimas vertidas emocionalmente. Um grupo de investigação do Instituto Weizmann, em Israel, demonstrou recentemente que as lágrimas de tristeza vertidas por um grupo numeroso de mulheres, mesmo ausentes, quando cheiradas, reduzem o apetite sexual dos homens (verificado pela análise da actividade cerebral por ressonância magnética e pela redução dos níveis de testosterona, hormona relacionada com o apetite sexual masculino). Ver aqui comunicado do Instituto Weizmann.

Pensa-se que essas lágrimas contêm uma feromona responsável por este efeito. Falta isolar a feromona e estabelecer a sua estrutura, o que vai ser trabalho dos químicos. Mais uma vez, as moléculas são as transmissoras da mensagem.

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