Empresa de energia lucra com preservação do meio ambiente
GRUPO BALBO, NO INTERIOR PAULISTA, É PIONEIRO NO SETOR COM A UTILIZAÇÃO DE BAGAÇO DE CANA PARA GERAÇÃO DE BIOELETRICIDADE
Por Texto Janice Kiss | Fotos Ernesto de Souza e Manoel Marques
A Usina São Francisco e sua vizinha Santo Antônio, em Sertãozinho (SP), se abastecem de energia limpa gerada na indústria
Pode não haver mistério, mas o rico subproduto da cana ainda está longe de alcançar nobre utilização. Apenas 129 usinas das 432 instaladas no país empregam tal tecnologia. Segundo Suleiman José Hassuani, pesquisador do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba (SP), os principais entraves estão no investimento para a troca das caldeiras de 20 bar (medida de pressão) para as de 65 bar, eficientes para esse tipo de produção por conta da alta pressão do equipamento; e no preço pago pelos leilões do governo federal (o mais recente foi de R$ 100 por megawatt-hora), distantes dos R$ 200 do custo de produção bancados pelo agricultor. Conforme dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), apenas 2% do consumo nacional de energia é suprido pela bioeletricidade. Porém, a entidade não perde o otimismo ao projetar o aumento desse percentual para 15% até 2020, equivalente ao potencial de três usinas de Belo Monte.

Jairo Balbo, diretor, participa das inovações nas usinas. A cogeração de energia foi uma das primeiras inovações
O uso da energia que não polui o meio ambiente fez com que mais uma vez a família fosse líder em inovação. A Bioenergia já vendeu R$ 5 milhões em créditos de carbono para a União Europeia. Esse mercado nasceu com o Protocolo de Kyoto, tratado internacional que permite que países desenvolvidos compensem suas emissões de gases de efeito estufa por meio de projetos elaborados por nações em desenvolvimento, desde que todos eles sejam signatários do acordo. Além da eletricidade, a avaliação das atividades nas usinas como um todo pesaram na aprovação desse projeto pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), ligado às Organizações das Nações Unidas (ONU). A liberação de gás carbônico (CO2), resultado da movimentação de máquinas agrícolas e da indústria, é praticamente nula. Os canaviais sorvem cerca de 30 mil toneladas desse gás de efeito estufa.

Passarada, macacos e uma riqueza de insetos amigos da plantação foram identificados por um projeto que rastreou a biodiversidade da plantação
A primeira transformação foi implantar a colheita mecanizada no lugar da queima. Naquela época, eliminar o fogo do canavial era considerado um ato de insensatez, já que não havia sequer colheitadeiras apropriadas. O primo de Jairo deu um jeito e adaptou uma máquina tradicional para ela cortar, aspirar e depositar a cana no caminhão. Tempos depois, o protótipo criado na Usina São Francisco deu origem à primeira colheitadeira brasileira de cana verde. A ausência da queimada logo criou um ambiente fértil para a proliferação de insetos, que se alimentavam da cana com fome de leão. O contra-ataque veio por meio do emprego de uma das práticas do manejo integrado de pragas (MIP), com a liberação no ambiente da vespa Cotesia flavipes, que se alimenta da broca, larva que roe a cana.

O potencial energético do bagaço da cana começou a ser testado pelo Grupo Balbo há mais de duas décadas
As práticas agrícolas do Projeto Cana Verde se associam a outras parcerias com o meio ambiente. A rotação de culturas com crotalária controla os nematoides. O solo vivo é alimento para os milhões de minhocas que o tornam mais fértil, aerado e bem estruturado. E há ainda a fixação biológica de nitrogênio, comum também na sojicultura. Conforme o pesquisador Gustavo Xavier, da Embrapa Agrobiologia, em Seropédica (RJ), as bactérias da família Rhizobiaceae presentes naturalmente nessas lavouras são potenciais fixadoras desse elemento, que atua em todas as fases da planta – crescimento, floração e frutificação – e as fortalece contra pragas e doenças. Elas também podem ser aplicadas na forma de inoculantes (ou sementes inoculadas), para aumentar a produtividade no campo. O uso dessa técnica proporcionou economia de US$ 6 bilhões por ano com fertilizantes nitrogenados ao país. O produto foi um dos pilares daRevolução Verde, que deu à agricultura escala industrial no século passado, mas pouco se comenta sobre o problema ambiental que causa ao se infiltrar invisivelmente no solo, na água e no ar todos os dias.
Jairo Balbo comenta sobre outros exemplos adotados em favor da sustentabilidade nas usinas. A vinhaça é usada na fertirrigação das lavouras – no passado, o setor canavieiro costumava lançá-la como efluente nos rios, o que poluiu águas e atingiu o lençol freático em algumas regiões – e a água utilizada para lavar pisos, equipamentos, etc. é proveniente de reúso. Segundo André Elias Neto, pesquisador do CTC, esse reaproveitamento é feito em quase todo o segmento e representa um avanço e tanto se comparado os atuais um a dois metros cúbicos de água gastos, por tonelada, de cana processada com os 20 metros cúbicos de 40 anos atrás. Ele destaca, ainda, o uso de outro importante resíduo nos plantios de cana-de-açúcar: a torta de filtro, rica em cálcio e fósforo, tornou-se um importante recurso para a adubação junto com a foligem obtida por meio da lavagem das caldeiras.
Apesar de Jairo Balbo estar ligado à produção industrial das usinas, ele não perde o encanto pela agricultura – afinal, é engenheiro agrônomo de formação. Ele esteve ao lado da decisão do grupo quando o a empresa quis dimensionar o tamanho da biodiversidade dos canaviais. Um programa feito com a Embrapa Monitoramento por Satélite, em Campinas (SP), implantou o rastreamento da fauna nas usinas. Os satélites radiografaram os animais que adotaram as lavouras de cana-de-açúcar como moradia fixa ou temporária. Os resultados apontaram a presença de 340 espécies (entre anfíbios, répteis e mamíferos) e cerca de 70% delas são raras, como o tamanduá-bandeira, o mão-pelada e o veado-catingueiro. A vida delas é assegurada por conta dos corredores ecológicos (áreas que unem os remanescentes florestais), da preservação de rios e nascentes e do plantio de 1,2 milhão de mudas de árvores. Para ele, é a comprovação derradeira de que a natureza pode triunfar em plena área agrícola.